Sobre o peso do passado

Quanto mais você conhece pessoas de culturas diferentes, mais consegue se auto-definir, entender o que faz de você brasileiro, independente de gostar ou não de futebol, samba e cachaça.

E uma das coisas que mais me fez sentir diferente dos italianos, ingleses ou espanhóis que conheci, foi o fato de não ter uma “longa história de família vinculada à minha terra”. Peraê, que eu vou explicar!

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Pau, catalão, 26 anos, estuda geografia, mora em Barcelona e é um dos poucos catalãos que conheci que se declara “independentista”. Pra ele, um povo com cultura, língua e estabilidade econômica pode, e deve, tornar-se um Estado independente, caso queira.

A Catalunha, como a Galiza e o País Basco, têm uma cultura totalmente diversa do resto da Espanha, e não se tornaram independentes como Portugal por uma simples questão histórica: foram os ingleses que apoiaram a independência de Portugal no seculo XII, por questões estratégicas.

Quando pergunto sobre a atuação do ETA, grupo separatista Basco, ele obviamente não apóia a atuação violenta, terrorista, para se conseguir a independência. “Não é interessante para a economia da Espanha se separar dessas regiões, então as coisas vão continuar assim por muito tempo, talvez para sempre. Mas também não estamos em uma época de pegar em armas pra brigar por esse tipo de ideal. Só que essa idéia não pode morrer, nao dá para esquecer também o quanto meus avós sofreram na ditadura de Franco, quando muitos eram torturados ou mortos por falarem catalão nas ruas”.

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Elena, italiana, 24 anos, tem um asco enorme de manifestações fascistas, e esta sempre criticando e discutindo política. Tem completa noção e orgulho de ser uma “italiana de esquerda”.

Ela me contou sobre a história de sua família, que na época do fascismo era “partigiana” dos partidos socialistas. Ou seja, foram caçados como judeus dentro do país.

Uma bisavó que, ao acordar, encontrou a família enforcada nas árvores do quintal de casa. Dois avôs que se recusaram a fazer a “carteirinha fascista” e foram enviados para o campo de concentração. Um deles, comemora o aniversário na data em que escapou de um fuzilamento, em que faziam uma fila de pessoas e selecionavam os que seriam mortos com o critério “um, dois, disparar; um, dois, disparar”. “Eu era o numero dois”.

“Não tem como esquecer isso, Rafael. Sou orgulhosa por minha família nunca ter se rendido ao fascismo. E se hoje, qualquer tipo de golpe estourasse, eu não exitaria em lutar até as últimas consequências”.

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Ok, onde eu quero chegar com isso? O que eu penso, é que aqui na Europa as pessoas têm uma história de família ligada fortemente à sua terra, seu país, seu povo. Um passado pesado que inevitavelmente transforma cada um num fruto de uma importante história, um partidário de uma causa.

No Brasil, muitas famílias estão no país há menos de 4 gerações. O sentimento de “ser brasileiro”, a relação com a terra, ainda não é claro. Nossa história não é formada por grandes revoluções e grandes lutas por liberdade – e as poucas histórias que temos parecem não ter reflexo nas pessoas hoje.

Ja nossos heróis, são uma piada. Sabemos muito bem como D. Pedro I era um tarado filhinho de papai, e como Tirandentes era foi transformado em mártir pela simples necessidade de se criar um mártir.

Mas penso que tudo isso não é ruim. Ao contrário, não ter um peso histórico sobre as costas nos transforma em uma nação que facilmente se adapta às mudanças do mundo, que já vive o “pós-industrialismo”, ou “pós-modernidade”, ou “organização complexa da sociedade”, ou “sociedade em rede”, ou seja lá como vão decidir nos chamar daqui um tempo.

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Uma resposta to “Sobre o peso do passado”

  1. Leozinho Castello Says:

    Sempre gostei da forma como tu screve,
    adesso,io vejo che existem oltras personas que gostam, non é vero?
    parlo isso perche vi
    uma menina solicitando copiare um texto tuo, que parla de comida.

    Congratulazione,
    Questo é riconhecimento de tua competencia.

    Leozinho Castello – Brasile – Goiânia-GO

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